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31 agosto 2005

O papagaio

Primeira parte (porque a vida de um artista é dividida em cenas)

....Minha mãe tinha um papagaio. Quando minha avó adoeceu, ela deu o papagaio a ela, pois era muito faceiro, apesar de não falar nada. Nenhum resmungo. Quando minha avó morreu, minha mãe foi buscar o papagaio, que agora tinha um significado ainda mais forte, já que fez a alegria de sua amada mãe nos últimos anos de sua vida. Mas aconteceu algo que deixou-a capenga (ela sempre é assim, isso herdei dela): a minha prima tinha se apegado tanto ao bichinho, que a hipótese de perdê-lo a fez chorar o dia todo escondida. Descobri e contei à minha mãe o sofrimento da pobrezinha. Dona Helena, com muita pena da criança, que perdera a avó e agora tinha o papagaio como lembrança da velhinha, abriu mão de seu amor pelo bichinho e o deixou à minha prima.

Segunda parte (porque só gente chique tem direito à aplauso)

....Esta semana, minha mãe abre a porta vibrando e pulando no meu pescoço, parecendo meu cachorro. “Pronto”, pensei, “a véia ganhou no bixo, ou foi sorteada no baú do sílvio”. Me puxando feito criança que quer mostrar o desenho que fez, ela me levou até a garagem.

Adivinha o que tem aqui?

Ai ai ai...o que?

Nem arrisca um palpite?

Jesus mãe, fala logo que tenho faculdade hoje.


....Eis que se despem os panos e, por entre as grades de uma gaiola, surge um despenado e feio filhote de papagaio.

Ai ai ai mãe...que bicho feio!

Elize!
(sim, ela escreve Elise com “z”...que horror...como uma mãe pode errar a grafia do nome da filha? Não bastava ter escolhido um nome estranho pra mim?). Ele é bebê ainda!

Ai ai ai....e ele fala?

Não, mas vai falar.



Terceira parte (Porque o mundo não seria mundo sem minha mãe...óh!)

....Manhã. Mais precisamente 6h. Acordo com uma gritaria na cozinha. Minha mãe com o som nas alturas. Ela tem um cd horroroso de música clássica com piados, cantos, chiados e gemidos de mais de cem passarinhos. Credo...aquilo é uma zona. E ela grita, e canta, e fala. E eu “meu deus, que diabos acontece nessa casa?”. Levanto ranhenta, arrastando meu pijama até a cozinha. E ela fala, e fala, e fala, parecia minha professora de quinta-feira.

Mãe...o que é isso?

Estou ensinando o papagaio a falar

Assim?

Claro.



Quarta parte (Porque eu mereço ir pro céu)

....Agora entendo por que os papagaios de minha mãe não falam. Ela fala demais, não deixa nem os coitadinhos respirarem. Grita, canta e xinga. Quem teria coragem de abrir a boca? Cara, eu penso que tenho mesmo muita sorte na vida por ser uma pessoa normal. Eu poderia ser como os papagaios de minha mãe....totalmente pilhados. Mas não, sou esse doce que vos escreve. Nossa....cada uma que me aparece.....