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02 novembro 2004

O homem de smoking

....Fim de semana do cão. Minha mãe de cama, com 40 graus de febre e eu quase louca, de um lado pro outro querendo levá-la ao Hospital. E ela bravamente e teimosamente batendo o pé. Mãe é o bicho mais estranho que tem: é só darmos uma tosse que estão movendo céus e terras, arrancando todos os chás do quintal e empurrando goela a baixo gororobas que prometem curas. Mas quando elas ficam doentes, colocam-se no altar dos inatingíveis, disfarçando tosses avassaladoras com desculpas como engasgo. O sábado e o domingo todo com febre. Fui grossa e enérgica, nunca gritei com tanta audácia com minha mãe, mas funcionou: fomos ao pronto socorro.

....Fiquei esperando do lado de fora. Minha mãe ficou quase duas horas dentro do hospital, fazendo exames e sendo medicada. Foi quando sentou-se a meu lado, no murinho da calçada, um senhor vestindo um fabuloso smoking. Não pedi seu nome, mas perguntei o que ele tinha.
- Coração... ele ta apertado.
Pretendendo me fazer mais íntima e iniciar uma conversa de vovô, o senhor tinha 76 anos, reclamei da demora. Ele me contou que estava desde as 8h esperando (já eram 19h) e ainda não tinham dado jeito nele. Pedi se ele permitiria que eu tirasse uma foto dele. Bendita hora que lembro de levar minha máquina sempre comigo. Ele sorriu, sorriu muito, e disse que fazia muitos e muitos anos que não tirava fotos. Timidamente, diante da grandeza daquele homem, tirei a máquina e fotografei de onde eu estava, sentada ao lado dele. Ele mostrou um sorriso murcho, quase desmaiado. Senti vontade de chorar. Ele tinha um boné azul com propaganda política e um smokig.

....Me perguntei quem teria a maldade de doar para um pobre um smoking. Não parece assustador a vocês um filhodaputa doar um smoking? Não? Acho muito cruel. Na certa é muito proveitoso para alguém que vive no limiar da miséria usar roupas de gala. O vovô conseguiu arrancar risos de alguns transeuntes sem coração que por ali passavam. Não vou publicar a foto.